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Copa sem casa

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por Coletivo Nigéria | 23 junho, 2014
Moradores da comunidade vizinha à Arena de Pernambuco, na área rural de Recife, perderam suas casas ou parte de seus lotes e ainda lutam para receber indenização
http://apublica.org/2014/06/copa-sem-casa/

Educação no Brasil é um “negócio da China”, aponta jornal The New York Times

Universidade

Educação no Brasil é um “negócio da China”, aponta jornal The New York Times

Lucro das empresas é garantido pelo governo que investe em educação privada de baixo custo

R7 Página Inicial 20/6/2014 às 11h05 (Atualizado em 20/6/2014 às 11h13)

As universidades públicas brasileiras ainda são consideradas as melhores no que diz respeito ao ensino e pesquisa

As universidades públicas brasileiras ainda são consideradas as melhores no que diz respeito ao ensino e pesquisa

O jornal norte americano The New York Times ressaltou em reportagem publicada nesta sexta-feira (20), que a educação superior no Brasil se tornou um grande negócio para empresas que buscam lucro neste setor.

 

Enquanto as instituições privadas sofrem nos Estados Unidos, a indústria da educação no Brasil está recebendo um caloroso incentivo, uma vez que o governo tenta cobrir a demanda por educação superior privada de baixo custo.

 

Entre os programas que auxiliam o crescimento do mercado estão o ProUni (Programa Universidade para Todos), que financia bolsas e o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), que concede empréstimos para os estudantes.

 

O crescimento do negócio pode ser comprovado nos números. Segundo a reportagem do jornal americano,  de 2002 a 2012, o número de estudantes em universidades do Brasil dobrou e atingiu 7 milhões. Mesmo assim, com apenas 17% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos em faculdades, há um buraco que precisa ser coberto.

 

USP e Unicamp estão entre as 10 melhores universidades dos Brics

 

A meta do governo brasileiro é elevar esse índice para 33% em 2020. Para cobrir essa demanda, fundos americanos e brasileiros e companhias que investem essencialmente em empresas não são listadas em bolsa de valores, com o objetivo de alavancar seu desenvolvimento  estão comprando e realizando fusões de instituições educacionais em um ritmo muito rápido.

 

Especialistas alertam, no entanto, que a ênfase na educação como um negócio nem sempre coloca o estudante em primeiro lugar. Apesar dessa preocupação, esse sistema tem se mostrado eficiente para um governo com poucos recursos.

 

Universidades públicas

 

As universidades públicas brasileiras ainda são consideradas as melhores no que diz respeito ao ensino e pesquisa. Mas os estudantes dessas universidades vêm de famílias mais ricas e generosos orçamentos para pesquisa torna o custo por estudante três vezes e meia mais alto do que nas instituições privadas.

 

O investimento do setor privado em educação técnica, primária e fundamental no Brasil também está crescendo, cita o texto. A firma inglesa Pearson comprou em dezembro último a Multi, uma rede de ensino de idiomas, em um negócio avaliado em US$ 880 milhões. As 10 maiores redes de educação do Brasil atendem 35% dos estudantes.

 

A Kroton Educacional e a Anhanguera Educacional são as duas maiores do Brasil, menciona a reportagem.

http://noticias.r7.com/educacao/educacao-no-brasil-e-um-negocio-da-china-aponta-jornal-the-new-york-times-20062014

Greve das Professoras do Rio de Janeiro

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A luta continua!

A luta contra a repressão é internacional!

Jornada

Brasil:
Nós também estamos sendo presos por protestar!
Estamos solidários a luta internacional contra o Fascismo!

Detroit começa a cortar água de quem não paga conta

Vulneráveis

Segundo o grupo ativista Detroit Water Brigade, os principais alvos do corte de água são as famílias mais vulneráveis, majoritariamente formadas por negros de baixa renda.
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/detroit-entra-em-guerra-por-agua-e-pede-ajuda-internacional

Sacco e Vanzetti por Howard Zinn

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Sacco e Vanzetti por Howard Zinn

Cinquenta anos depois das execuções dos imigrantes italianos Sacco e
Vanzetti, o Governador Dukakis, de Massachusetts, criou uma comissão para julgar a imparcialidade do julgamento, e a conclusão foi que os dois homens não tinham tido um julgamento justo. Isto causou uma pequena tempestade em Boston.
Uma carta, assinada por John M. Cabot, antigo embaixador dos EUA, declarava a sua “grande indignação” e assinalou que a confirmação da pena de morte feita pelo governador Fuller aconteceu depois de uma revisão especial do caso por “três dos cidadãos mais distintos e respeitados de Massachusetts – o presidente de Harvard, Lowell, o presidente do MIT, Stratton, e o juiz reformado Grant.”

Artigo de Howard Zinn publicado em znet

Estes três ” distintos e respeitados cidadãos” são vistos de uma forma diferente por Heywood Broun, que escreveu na sua coluna no jornal “New York World” imediatamente após a publicação do relatório da comissão do Governador. Ele escreveu:

“Não é qualquer prisioneiro que tem um presidente da Universidade de Harvard a carregar no interruptor por ele… Se isto é um linchamento, pelo menos o vencedor ambulante de peixe e o seu amigo operário puderam ter como consolo das suas almas terem morrido às mãos de homens em fato completo ou toga académica.”

Heywood Broun, um dos mais premiados jornalistas do século XX, não durou muito como colunista do “New York World”.

No 50º ano depois da execução, o “New York Times” relatou que: “Os planos do Presidente da Câmara Beame para declarar a próxima terça-feira “Dia de Sacco e Vanzetti” foram cancelados para evitar a controvérsia, disse ontem um porta-voz da Câmara Municipal.”

Deve haver uma boa razão para que um caso com 50 anos, agora com mais de 75, cause tanta emoção. A minha sugestão é que as conversas sobre Sacco e Vanzetti lembram-nos inevitavelmente questões que nos incomodam hoje: o nosso sistema de justiça, a relação entre a obsessão pela guerra e as liberdades civis e, mais perturbante ainda, as ideias anarquistas: a eliminação de fronteiras nacionais e, portanto, da guerra, o fim da pobreza e a criação de uma democracia plena.

O caso de Sacco e Vanzetti revelou, nos seus termos mais crus, que as palavras nobres inscritas nos nossos tribunais, “Justiça Igual perante a Lei”, sempre foram uma mentira. Aqueles dois homens, um vendedor de peixe e um sapateiro, não podiam obter Justiça no sistema americano, porque a justiça não é distribuída igualmente entre os pobres e os ricos, os nativos e os estrangeiros, os ortodoxos e os radicais, os brancos e os de cor. E, apesar de a injustiça poder hoje demonstrar-se de formas mais subtis e intrincadas do que nas circunstâncias brutais do caso Sacco e Vanzetti, ela é essencialmente a mesma.

Neste caso, a parcialidade foi flagrante. Estavam a ser julgados por roubo e assassínio, mas nas mentes e no comportamento do advogado de acusação, do juiz e do júri, o mais importante sobre eles era serem quem eram, como diz Upton Sinclair no seu romance notável “Boston”, “wops” (pejorativo para italianos), estrangeiros, trabalhadores pobres, radicais.

Eis uma amostra do interrogatório policial:

Polícia: És um cidadão?

Sacco: Não.

Polícia: És um comunista?

Sacco: Não.

Polícia: Anarquista?

Sacco: Não.

Polícia: Acreditas neste nosso governo?

Sacco: Sim; algumas coisas gostava que fossem diferentes.

O que tinham estas questões a ver com o roubo de uma fábrica de sapatos em South Braintree, Massachusetts, e com os tiros que mataram um caixa e um guarda?

Sacco mentia, claro. “Não, não sou um comunista. Não, não sou um anarquista.” Porque mentiria ele à polícia? Porque mentiria um judeu à Gestapo? Porque mentiria aos seus interrogadores um negro na África do Sul? Porque mentiria à polícia secreta um dissidente na Rússia soviética? Porque todos sabem que não há justiça para eles.

Alguma vez existiu justiça no sistema americano para os pobres, para as pessoas de cor, para os radicais? Quando os oito anarquistas de Chicago foram condenados à morte depois do motim de Haymarket (um motim criado pela polícia) em 1886, não foi porque existisse qualquer prova que os ligasse à bomba atirada para o meio da polícia; não havia nem cheiro de provas. Foram condenados porque eram dirigentes do movimento anarquista de Chicago.

Quando Eugene Debs e milhares de outros foram presos durante a I Guerra Mundial, ao abrigo da Lei da Espionagem, foram porque eram culpados de espionagem? Nem pensar. Eram socialistas que falaram contra a guerra. Ao confirmar a sentença de dez anos para Debs, o juiz do Supremo Tribunal Oliver Wendell Holmes esclareceu porque é que Debs tinha de ser preso. Ele citou do discurso de Debs: “A classe dominante sempre declarou guerras, a classe oprimida sempre lutou nas batalhas daqueles.”

Holmes, muito admirado como um dos nossos grandes juristas liberais, deixou claros os limites do liberalismo, as suas fronteiras estabelecidas por um nacionalismo vingativo. Depois de esgotados todos os apelos de Sacco e Vanzetti, o caso chegou a Holmes, no Supremo Tribunal. Ele recusou rever o caso, mantendo portanto o veredicto.

No nosso tempo, Ethel e Julius Rosenberg foram condenados à cadeira eléctrica. Foi porque eles eram culpados para além de uma dúvida razoável de passar segredos nucleares à União Soviética? Ou foi porque eram comunistas, como a acusação deixou claro, com a aprovação do juiz? Foi também porque o país estava mergulhado numa histeria anti-comunista, os comunistas tinham acabado de tomar o poder na China, havia uma guerra na Coreia, e o peso de tudo isso podia ser suportado por dois comunistas americanos?

Porque foi George Jackson, na Califórnia, condenado a dez anos de prisão por um roubo de 70 dólares, e depois morto a tiro por dois guardas? Foi porque era pobre, negro e radical?

Hoje, com a atmosfera de “guerra ao terror” em que vivemos, será possível um muçulmano ter acesso a uma justiça imparcial, à igualdade perante a Lei? Porque foi o meu vizinho, um brasileiro de pele escura que podia ser tomado por um muçulmano do Médio Oriente, retirado do seu carro pela polícia, apesar de não ter violado qualquer regulamento, questionado e humilhado?

Porque são os dois milhões de pessoas nas prisões e penitenciárias americanas, e os seis milhões em liberdade condicional ou sob vigilância, desproporcionalmente pessoas de cor, desproporcionalmente pobres? Um estudo demonstrou que 70% das pessoas presas no estado de Nova Iorque vêm de sete bairros da cidade de Nova Iorque – bairros de pobreza e desespero.

A injustiça de classe atravessa todas as décadas, todos os séculos da nossa história. No tempo do julgamento de Sacco e Vanzetti, um homem rico da cidade de Milton, a sul de Boston, atirou sobre um homem que juntava lenha na sua propriedade, matando-o. Passou oito dias na cadeia, depois foi libertado sob fiança, e nunca foi acusado. O advogado do Ministério Público chamou-lhe “um homicídio justificável”. Uma lei para os ricos, uma lei para os pobres – uma característica persistente do nosso sistema de justiça.

Porém, serem pobres não era o maior crime de Sacco e Vanzetti. Eram italianos, imigrantes, anarquistas. Tinham passado menos de dois anos depois do final da I Guerra Mundial. Eles tinham protestado contra a guerra. Tinham recusado o alistamento. Viram a histeria contra imigrantes e radicais crescer, observaram as incursões dos agentes do Procurador Chefe Palmer, do Departamento de Justiça, que entravam à força nas casas a meio da noite sem mandatos, mantinham pessoas incomunicáveis e espancavam-nas com bastões e tubos de metal.

Em Boston, foram presos 500, acorrentados uns aos outros e levados em marcha pelas ruas. Luigi Galleani, editor do jornal anarquista “Cronaca Sovversiva”, que Sacco e Vanzetti assinavam, foi apanhado em Boston e rapidamente deportado.

Algo ainda mais assustador tinha acontecido. Um anarquista, companheiro de Sacco e Vanzetti, tipógrafo de seu nome Andrea Salsedo, que vivia em Nova Iorque, foi raptado por membros do FBI (uso a palavra “raptado” para descrever a prisão ilegal de uma pessoa), e mantido nos escritórios do FBI no 14º andar do edifício de Park Row. Não lhe foi permitido telefonar à família, aos amigos ou a um advogado e, segundo outro prisioneiro, foi interrogado e espancado. Na oitava semana da sua prisão, a 3 de Maio de 1920, o corpo de Salsedo, em carne viva, foi encontrado no passeio perto do edifício de Park Row e o FBI anunciou que ele se tinha suicidado saltando do 14º andar, pela janela do quarto em que o mantinham. Isto foi dois dias antes de Sacco e Vanzetti serem presos.

Hoje sabemos, na sequência dos relatórios do Congresso de 1975, do programa COINTELPRO do FBI em que os agentes do FBI entravam nas casas e escritórios de pessoas, fizeram escutas ilegais, estiveram envolvidos em actos de violência e assassínio e colaboraram com a polícia de Chicago na morte de dos líderes dos Panteras Negras em 1969. O FBI e a CIA quebraram a lei muitas vezes. Não há castigo para eles.

Tem havido poucas razões par ter fé que as liberdades civis das pessoas deste país serão protegidas na atmosfera de histeria que se seguiu ao 11 de Setembro e que persiste até hoje. Aqui, têm havido prisões colectivas de imigrantes, detenções sem prazo, deportações, e espionagem doméstica não autorizada. No estrangeiro, houve assassínios extra-judiciais, tortura, bombardeamentos, guerra e ocupações militares.

Igualmente, o julgamento de Sacco e Vanzetti começou imediatamente após o Dia do Memorial, um ano e meio depois da orgia de morte e patriotismo que foi a I Guerra Mundial, quando os jornais ainda vibravam com o ruído dos tambores e a retórica fácil.

Doze dias depois do início do julgamento, a imprensa relatou que os corpos de três soldados tinham sido transferidos dos campos de batalha franceses para a cidade de Brockton e que toda a cidade tinha comparecido para uma cerimónia patriótica. Tudo isto estava nos jornais, que os membros do júri podiam ler.

Sacco foi contra-interrogado pelo advogado de acusação Katzmann:

Pergunta: Amava este país na última semana de Maio de 1917?

Sacco: Isso é bastante difícil, para mim, responder numa só palavra, senhor Katzmann.

Pergunta: Só há duas palavras que pode usar, senhor Sacco, sim ou não. Qual delas é?

Sacco: Sim.

Pergunta: E foi para mostrar o seu amor pelos Estados Unidos da América, quando estes estavam prestes a chamá-lo para ser um soldado, que fugiu para o México?

No início do julgamento, o juiz Thayer (que, num encontro de golfe, se referiu num discurso aos arguidos como “aqueles bastardos anarquistas”) disse ao júri: “Meus senhores, apelo a que cumpram esta missão que foram chamados a desempenhar com o mesmo espírito de patriotismo, coragem e devoção ao dever que mostraram os nossos rapazes, soldados, no ultramar.”

As emoções evocadas por uma bomba que explodiu na casa do Procurador Chefe Palmer durante um tempo de guerra – tal como as emoções libertadas pela violência do 11 de Setembro – criaram uma atmosfera de ansiedade na qual as liberdades civis foram prejudicadas.

Sacco e Vanzetti compreenderam que, qualquer fosse o argumento que os seus advogados apresentassem, não venceriam contra a realidade da injustiça de classe. Sacco disse ao tribunal, durante a sentença: “Eu sei que a sentença será entre duas classes, a classe oprimida e a classe rica… É por isso que me sento hoje neste banco, por ter sido da classe oprimida.”

Este ponto de vista parece dogmático, simplista. Nem todas as decisões dos tribunais são explicadas por ele. Mas, na falta de uma teoria que se aplique a todos os casos, a visão simples e forte de Sacco é certamente um melhor guia para perceber o sistema legal do que a que define uma disputa entre iguais baseada na busca objectiva da verdade.

Vanzetti sabia que os motivos legais não os iam salvar. A menos que um milhão de americanos se organizassem, ele e o seu amigo Sacco morreriam. Não com palavras, mas com luta. Não com apelos, mas com exigências. Não com petições, mas com ocupações de fábricas. Não lubrificando a maquinaria de um sistema supostamente justo para o fazer trabalhar melhor, mas com uma greve geral que parasse a máquina.

Isso nunca aconteceu. Milhares manifestaram-se, marcharam, protestaram, não apenas em Nova Iorque, Boston, Chicago, São Francisco, mas também em Londres, Paris, Buenos Aires, África do Sul. Não foi suficiente. Na noite da execução, milhares manifestaram-se em Charlestown, mas foram mantidos longe da prisão por um ajuntamento enorme de polícias. Alguns, dos que protestavam, foram presos. Metralhadoras nos telhados e enormes projectores varriam a cena.

Uma multidão enorme juntou-se na Praça da União a 23 de Agosto de 1927. Poucos minutos depois da meia-noite, as luzes da prisão ficaram mais fracas enquanto os dois homens eram executados. O “New York World” descreveu a cena: “A multidão respondeu com um soluço gigante. Mulheres desmaiaram em quinze ou vinte sítios. Outros, demasiado perturbados, caíram no lancil e enterraram a cabeça nas mãos. Homens apoiaram-se nos ombros uns dos outros e choraram.”

O seu maior crime era o anarquismo, uma ideia que ainda hoje nos assusta como um relâmpago por causa da sua verdade essencial: somos todos um só, as fronteiras nacionais e os ódios nacionais devem desaparecer, a guerra é intolerável, os frutos da terra devem ser partilhados e só uma luta organizada contra a autoridade pode produzir um mundo assim.

O que chega até nós do caso de Sacco e Vanzetti não é apenas tragédia, mas também inspiração. O inglês deles não era perfeito, mas quando falavam era uma espécie de poesia. Vanzetti disse do seu amigo Sacco:

“Sacco é um coração, uma fé, um carácter, um homem; um homem amante da natureza e da humanidade. Um homem que deu tudo, que tudo sacrificou á causa da liberdade e ao seu amor da humanidade: dinheiro, descanso, ambição mundana, a sua mulher, os seus filhos, ele próprio e a sua vida… sim, eu posso ser mais astuto, como disseram alguns, sou um melhor falador do que ele, mas muitas, muitas vezes, ao ouvir a sua bela voz vibrar com uma fé sublime, ao considerar o seu supremo sacrifício, ao lembrar o seu heroísmo, sinto-me pequeno, pequeno na presença da sua grandeza, e encontro-me obrigado a reprimir as lágrimas dos meus olhos, apagar o meu coração que me salta da garganta, para não chorar diante dele – este homem foi chamado chefe, assassino e condenado”.

Pior que tudo, eram anarquistas, significando que tinham uma ideia louca de uma democracia plena em que nem o ser estrangeiro, nem a pobreza, existissem, e que pensavam que, sem estas provocações, a guerra entre nações acabaria para sempre. Mas, para isto acontecer, os ricos teriam de ser combatidos e os seus bens confiscados. Esta ideia anarquista é um crime muito pior do que roubar um salário, e portanto até hoje a história de Sacco e Vanzetti não pode ser recordada sem grande ansiedade.

Sacco escreveu ao seu filho Dante: “Portanto, filho, em vez de chorar, sê forte, para conseguires consolar a tua mãe… leva-a para um passeio longo num campo tranquilo, apanhando flores aqui e ali, descansando sob a sombra das árvores… Mas lembra-te sempre, Dante, nesta peça de felicidade, não a uses toda apenas para ti… ajuda os perseguidos e as vítimas porque eles são os teus melhores amigos… Nesta luta da vida vais encontrar mais amor e serás amado.”

Sim, isto era anarquismo, o amor deles pela humanidade, que os condenou. Quando Vanzetti foi preso, tinha um panfleto no seu bolso que anunciava um encontro dali a cinco dias. É um panfleto que podia ser distribuído hoje, em qualquer sítio do mundo, tão certo nos nossos dias como o era no dia da sua prisão. Declarava:

“Vocês combateram todas as guerras. Vocês trabalharam para todos os capitalistas. Vocês viajaram por todos os países. Colheram os frutos do vosso trabalho, o valor das vossas vitórias? O passado consola-vos? O presente sorri-vos? O futuro promete-vos alguma coisa? Encontraram um pedaço de terra em que possam viver como seres humanos e morrer como seres humanos? Sobre estas perguntas, sobre esta discussão, sobre este tema, a luta pela existência, falará Bartolomeo Vanzetti.”

Essa reunião não se realizou. Mas o seu espírito ainda existe hoje, com pessoas que acreditam e amam e lutam por todo o mundo.

Data do assassinato 23/08/1927
ww.esquerda.net/dossier/sacco-e-vanzetti-por-howard-zinn

Os participantes da Soma

Soma
Soma – Uma terapia anarquista vol 2 – A arma é o corpo
Roberto Freire

(texto original em Aurora Obreira 39)
Quando a Soma surgiu, especialmente na ocasião em que comecei a divulga-la no meio universitário brasileiro, ocorreu evidente concorrência do meu trabalho com o das outras terapias, porque é sempre o mesmo contigente humano e social que procura terapia não-tradicional. São, na maioria, jovens de classe média, estudantes, bancários, comerciários, profissionais liberais recém-formados, artistas em geral e no início de suas carreiras, bem como jornalistas, professores e intelectuais mal-assalariados.
Raros foram os primeiros participantes dos grupos de Soma que já não tivessem experimentado outras formas alternativas de terapia, no fim da década de setenta e começo da de oitenta. O restante das pessoas disponíveis no mercado psicoterapêutico eram pessoas de melhor poder aquisitivo que, com raras exceções, utilizavam-se da Psicanálise.
Mas isso não impediu que, nos primeiros anos, alguns executivos e senhoras ricas também frequentassem a Soma, assim como acontecia com militantes do Partido Comunista e membros do clero católico. Entretanto, todos, sem exceção, abandonavam o trabalho pela metade ou, mesmo se o terminavam, dele não tiravam proveito algum, alé dos poucos beneficios bionergéticos. Ouvi esta frase, dita com grande tirsteza, por um industrial jovem que participou de um grupo de Soma, quando o abandonava no meio da terapia: “Ah, seu pudesse ser e viver como vocês!” A Soma não tem poder algum de mudar a opção politica das pessoas, sobretudo quando ancoradas e justificadas pelo fator econômico.
Com o passar dos anos, entretanto, mais devido aos fracassos que pelos eventuais sucessos terapeuticos, a Soma deixou de participar da concorrência no mercado terapêutico brasileiro. O perfil das pessoas que podem beneficiar-se da Soma foi-se definindo aos poucos também. Hoje trabalhamos, na grande maioria dos casos, com pessoas que não se beneficiaram e não vão se beneficiar nunca com os outros tipos de terapia existentes no mercado terapêutico brasileiro.
Estava surgindo, então, um novo tipo de pessoas interessadas em terapia, mas tratava-se de um tipo tão diverso das demais que nos sentimos obrigados, inclusive, a não usar mais o termo cliente para designá-las. Passamos a chamar as pessoas que trabalham em Soma de membros ou participantes do grupo. Assim como acabou o que se designa por cliente, teve fim também a finalidade clínica em nossa terapia. Vamos explicar melhor isso, e então ficará mais fácil traçar o perfil dos frequentadores da Soma.
Partimos do princípio reichiniamo e antipsiquiátrico de que a neurose e a psicose, qualquer alteração da vida emocional e psicológica das pessoas, são produzidas de fora para dentro, ou seja, da família e da sociedade sobre a pessoa, especialmente de como esta reage e responde à intervenção heterorreguladora sobre sua capacidade autogestiva natural. Assim, concluímos estar limitando o nosso trabalho na Soma a reforçar as defesas orgânicas e políticas das pessoas, para que enfrentem melhor essa intervenção externa indevida a sua autonomia biológica e social. A Soma exerceria, portanto, mais um trabalho pedagógico e profilático do que propriamente clínico e terapêutico.
Passamos para os médicos que exercem Antipsiquiatria as pessoas que de alguma forma estejam ligadas à Soma e perderam a capacidade de lutar por sua autonomia, bem como apresentam os sintomas habituais de distúrbios mentais. Esses antipsiquiatras com os quais nos associamos para o atendimento dessas pessoas o fazem de modo clínico desarmado (sem internação, sem violência, sem convulsoterapia, sem impregnação) em atendimento ambulatorial ou em comunidades terapêuticas (estas, as verdadeiramente antipsiquiatricas, são muito raras ainda no Brasil).
Vamos agora ao perfil do frequentador da Soma: são, na maioria jovens conscientes da origem externa (família, cultura e sociedade) do que está inibindo ou bloqueando os naturais potenciais de luta por sua autonomia, independência, liberdade afetiva e criativa. Certamente, devido a esses bloqueios originados na infância e que perduram até o momento que procuram terapia, eles já apresentam alguns dos sintomas neuróticos clássicos em maior ou menor intensidade, porém ainda sem gravidade, com angústia, a ansiedade, a depressão e o medo, frequentemente acompanhados de dificuldade na vida social, afetiva e sexual.
Devido à divulgação atual da Soma, talvez ainda por terem encontrado em meus livros a explicação e comprovação científica do que já intuíam e compreendiam empiricamente, esses jovens nos procuram de certo modo preparados para trabalharem em nossa metodologia terapêutica, aceitando e desenvolvendo sua intenção mais profilática e pedagógica do que clínica e terapêutica.
Além disso, existe uma regra infalível que descobri durante esses anos de terapia: só apresenta sintomas neróticos que lutou por sua autonomia, por sua natureza, por sua independência, sobretudo pela necessidade biológica de amar e criar em liberdade. Portanto todo neurótico, se ainda não perdeu  a consciência do pragmatismo social, é um subversivo, um dissidente, um revolucionário em relação à família, à cultura e à sociedade autoritária nas quais ele foi formado. Isso lhe permite perceber com clareza e rapidez o conteúdo e origem política de sua neurose, ou seja, sente e entende na carne o conflito de poder entre sua natureza original, espontânea e o autoritarismo de Estado vivido através da relação familiar e afetiva, nas quais o amor está sendo usado como instrumento de chantagem e de dominação.
O frequentador da Soma é uma pessoa que sabe serem seus problemas derivados diretamente da organização familiar burguesa e da utilização do amor pela burguesia como instrumento de poder. Assim, ele necessita de uma sociologia antitautoritária em todos os níveis da vida pessoal e social e, pesquisando e estudando, descobre só existir essa possibilidade e essa força no anarquismo (socialismo libertário), o único antídoto real e eficiente no combate ao autoritarismo da família e da sociedade burguesas.
Mas o frequentador comum da Soma, se já não era completamente, logo se torna um realista, ou seja, ele sabe que pode, com esse trabalho e com sua ideologia libertária, defender-se do autoritarismo familiar e social, mas não pode impede-lo de se exercer e de se expandir. Por essa razão, ao mesmo tempo que faz sua terapia libertária, procura conscietizar-se, a engajar-se e a militar em movimentos sociais e políticos que visem, de algum modo, a combater todas as formas de autoritarismo. Procura, sobretudo, divulgar e implantar em sua vida pessoal, no amor, na criação e na produção, a autogestão e os demais princípios de vida, de associação e de produção anarquistas.
Invariavelmente, ocorre na consciência desses jovens, à medida que a Soma vai produzindo seus efeitos, a compreensão de que é possível ser um libertário dentro de um regime autoritário. Descobre também que se pode viver um amor sem dominação e uso do outro, que se pode criar e manter uma família sem pátrio poder e sem chantagens afetivas sobre filhos, que podemos nos sustentar e sustentá-la em produção individual ou autogestiva associados a companheiros também libertários. É frequente conseguirmos provar, através da Soma, que uma vez desbloqueado o nosso potencial criador, se aprendemos a mobilizar  e economizar  energia vital, se nos revitalizamos pela vivência do amor em liberdade, se estamos preparados para lutar, enfim, nessas condições, a Soma pode revelar e liberar o anarquismo nato e visceral que há em nós, não importando muito em que ambiente social e político estejamos vivendo.
Claro que isso só será possível se aceitarmos, entendermos e desenvolvermos a condição de marginais na sociedade autoritária, capitalista e burguesa. O desenvolvimento e a manutenção dessa marginalidade competente, criativa e produtiva constituem o último estágio terapêutico competente se revelam, por exemplo, artistas, cientistas e artesãos de todos os tipos, cuja a produção atinge tal originalidade e qualidade, que passa a ser consumida em quantidade proporcional à sua beleza e indispensabilidade.
Depois da publicação de meu livro Coiote, devido às características do personagem que dá nome ao romance e ao estilo de vida por ele implantado na comunidade anarquista que fundam em Mauá, os próprios participantes da Soma passaram a designar por coiotes as pessoas que melhor e mais se beneficiam desse tipo de terapia. Em verdade, para mim, coiotes são os jovens protomutantes, ou seja, o tipo de homem que construirá o futuro da humanidade, quando chegarem a um número suficiente, não em natureza diversa, mas em desbloqueio do que lhes é natural, pois presumo estarem todos por aí, em processo crescente de desbloqueio, tanto por terapias quanto pelo pŕoprio processo evolutivo da vida no planeta. Em resumo, os participantes de Soma são anteriores à Soma, que surgiu apenas para atender às suas necessidades de sobrevivência política e ecológica.

http://anarkio.net/index.php/arti/490-soma-participante

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